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Poder Familiar e a Guarda dos Filhos

  • Foto do escritor: Marcelo Rocha
    Marcelo Rocha
  • 6 de jun. de 2023
  • 5 min de leitura

Breve histórico


Inicialmente usava-se a nomenclatura de “Pátrio Poder”, que retratava o poder dos genitores ou pais adotivos sobre os filhos menores e não emancipados.

Esse “poder” era determinado pelo conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, determinados pela lei. Os doutrinadores, apesar de conceitos diferentes sobre o pátrio poder, tinham todos o mesmo sentido, ou seja, necessidade de proteção e direcionamento dos filhos menores e/ou incapazes.

Esse “Pátrio Poder” era tipicamente patriarcal, onde o homem exercia o domínio sobre a família e seu patrimônio. Na antiga Roma, a figura do “pater famílias”, além de figurar no lar, sobre pondo-se à mulher e filhos, significava um poder idêntico ao da propriedade incluindo escravos e os assemelhados.

Era através da autoridade paterna que se consolidava a vida em família, como também na sociedade romana, para manter a unidade em Roma. Às vezes, não era somente o pai que era o titular de direito, mas muitas vezes era o avô, ou seja, cabia ao chefe da família.

A figura do chefe familiar esteve presente em todos os povos da História antiga, com características um pouco diferentes. Assim, o povo germânico apresentava uma ideia um pouco mais liberal e humanista de pátrio poder, que era visto em razão e interesses dos filhos.

Lafayette Rodrigues Pereira, em seu clássico “Direitos de Família”, escrito em tempos pré-republicanos, propunha o seguinte conceito: “Pátrio poder é o todo que resulta do conjunto dos diversos direitos que a lei concede ao pai sobre a pessoa e bens do filho.”

Não escapou também ao seu espírito a à sua cultura a noção filosófica do instituto em questão, lamentando não ter sido essa a compreensão do direito positivo. Ele determinava que a “instituição do pátrio poder, tal como se achava constituída pelo nosso Direito, era um invento absurdo, imaginado antes em utilidade e vantagem do pai do que um benefício do filho (PEREIRA, 1956).

No mesmo sentido, Clóvis Beviláqua conceitua o instituto como sendo “o complexo dos direitos que a lei confere ao pai , sobre a pessoa e bens dos filhos” (BEVILÁQUA, 1975). Nesses dois sentidos, os juristas não privilegiaram a figura materna.

O Código de 1916 acompanhou a linha que nos legara o direito lusitano, da feição romana do poder familiar, como manifestada por Justiniano, que encontrou guarita nas Ordenações do Reino e assim foi transladada para o Brasil, se concretizando através

do total poder e domínio do pater famílias.

No Brasil, o “Pátrio Poder” de influência romana se concretizou através do total poder e domínio do pater famílias pela Lei de 20 de Outubro de 1823. Encontrando guarita numa sociedade patriarcal, definindo o poder de decisão do pai, o “Pátrio Poder” foi elencado em nosso Código Civil de 1916, em seu artigo 380:


Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo- o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores, passará o outro a exercê-lo com exclusividade.
Parágrafo único — Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para solução da divergência (BRASIL, 1916).

Segundo Grisard Filho, pondo fim o “pátrio poder”, da feição ro- mana, de dominação, para o sentido de proteção, advém o instituto “Poder Familiar”, como hoje se reconhece. A controvérsia à respeito da natureza jurídica do Instituto “Poder Familiar”, tem enfoque diverso quando é visto em face do Estado e terceiros e nas relações pai-filho (GRISARD FILHO, 2006).

Para Pamplona Filho (2013), “Poder Familiar” é o complexo de direitos e obrigações reconhecidos aos pais, em razão e nos limites da autoridade parental que exercem, em face de seus filhos, enquanto menores e incapazes. Os autores, para conceituar Poder Familiar, partiram das premissas de que o Código Civil de 1916 dispunha, em seu art. 379, que os filhos legítimos ou legitimados, os legalmente reconhecidos e os adotivos estariam sujeitos ao “Pátrio Poder”, enquanto menores. Por óbvio, mais importante do que o aperfeiçoamento linguístico, é a real percepção, imposta aos pais e mães deste país, no sentido da importância jurídica, moral e espiritual que a sua autoridade parental ostenta, em face dos seus filhos, enquanto menores (PAMPLONA FILHO; GAGLIANO, 2013).

A seguir, adveio a Lei no 4121 de 27 de Agosto de 1942 — Estatuto da Mulher Casada — que conferiu à mãe o status de colaboradora no exercício do pátrio poder. Após, através da Lei no 6515 de 26 de Dezembro de 1977 definia que ambos pai e mãe são os titulares dos encargos parentais, que persistem mesmo após o divórcio ou quando sobrevenha novo casamento de qualquer dos pais, ainda que a guarda do filho seja atribuída a somente um deles.

Mas, a igualdade entre os cônjuges, somente veio a ser consagrada na Constituição de 1988 em seu artigo 226:


Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 5o Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (BRASIL, 1988).

Em seguida, adveio a Lei no 8069/90 — Estatuto da Criança e do Adolescente — que deixa claro em seus artigos:


Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.(BRASIL, 1990).
Art. 22. Aos pais incumbe o dever do sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Parágrafo Único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito da transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei.(BRASIL, 1990).

Seguindo essa evolução, o Código Civil de 2002, aperfeiçoando a matéria, destaca que durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade (caput do art.

1631, CC-02; art. 380, CC-16).

Essa nova forma de tratamento (poder familiar), agora enraizada no Código Civil atual, disciplinou um dos princípios constitucionais: a isonomia. Princípio que rege as relações familiares, em seus diversos arranjos, em onde havendo filhos, o poder familiar também se fará presente, nessa mesma linha de intelecção.


REFERÊNCIAS


PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de Família. Rio de Janeiro/São Paulo: Livraria Freitas Bastos S.A. , 1956.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, edição histórica, Rio de Janeiro. Ed.Rio, 1975.
GRISARD FILHO, Waldyr . Guarda Compartilhada: Um novo modelo deResponsabilidade Parental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunai, 2006;
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso deDireito Civil. 3a edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2013;

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